Agência Estado – Especial: Mesmo com aprovação do PL sobre cessão onerosa, dúvidas persistiriam

18/06/2018 12:44:02 – EMPRESAS E SETORES
ESPECIAL: MESMO COM APROVAÇÃO DO PL SOBRE CESSÃO ONEROSA, DÚVIDAS PERSISTIRIAM
São Paulo, 13/06/2018 – A Câmara dos Deputados pode votar nos próximos dias o projeto que modifica a lei da cessão onerosa, de autoria do deputado José Carlos Aleluia. Mas ainda que seja aprovado, o PL não resolveria todos os problemas e muitas incertezas persistiriam, segundo advogados do setor de petróleo e gás. Entre as principais dúvidas está a possibilidade de a Petrobras receber o pagamento da União em barris excedentes. Há interpretações distintas no meio jurídico. Residem ainda outros questionamentos e especialistas ressaltam que as informações que têm sido divulgadas são desencontradas.

A lei da cessão onerosa limita a 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo a exploração pela Petrobras, sem licitação. O chamado excedente, acima de 5 bilhões de barris, portanto, não poderia entrar no regime de cessão onerosa. O entendimento dos advogados é de que, neste caso, o regime é o de partilha, e não o de concessão, uma vez que o petróleo está no polígono do pré-sal. Uma primeira dúvida é a legalidade do recebimento de mais barris pela Petrobras.


Luis Menezes, advogado do Felsberg Advogados, questiona a possibilidade de o acerto entre União e Petrobras no âmbito do contrato da cessão onerosa envolver barris do excedente em outro regime. “O tratamento do governo na revisão do contrato de cessão onerosa não deveria seguir essa dinâmica”, opina.


Outra dúvida é: caso o governo de fato pague em barris, haveria um desconto do bônus de assinatura. Em termos de orçamento do governo, como esse valor seria registrado? Poderia ser entendido como uma despesa, podendo afetar, desta maneira, o teto de gastos? Ou a alternativa passaria fora do Orçamento? Neste caso, como isso seria feito?


Além disso, o pagamento via barris terá de passar pelo crivo do Tribunal de Conta das União (TCU), que no passado já se mostrou rigoroso quanto a essa possibilidade.


José Alberto Bucheb, geólogo e advogado, consultor de negócios na área de exploração e produção do petróleo, lembrou: “Essa solução é idêntica à proposta para outorgar diretamente à Petrobras os volumes de petróleo dos excedentes da cessão onerosa, que anos atrás não foi em frente por causa do TCU”.


A outorga dos direitos diretamente à Petrobras é vista como uma exceção à regra por advogados. A regra é a licitação. A exceção pode acontecer, contudo, mediante justificativa e sólida base técnica. Ministros do TCU já pediram que a contratação direta da petroleira ocorresse apenas com o aprimoramento dos estudos técnicos anteriormente apresentados.


Acórdão do TCU de 2016 cita que, caso o valor final da revisão do contrato de cessão onerosa não seja respaldado por uma avaliação técnica robusta, a falta de transparência e a desconfiança podem comprometer a segurança jurídica. Isso resultaria em litígios judiciais futuros. Essas eventuais disputas, por sua vez, podem atrasar o processo e afetar o ritmo da produção das áreas contratadas.


A pergunta seguinte é o que a petroleira faria com os barris recebidos no regime de partilha – portanto, fora do contrato da cessão onerosa. Conforme a Lei 12.351, que traz as regras para o regime de partilha, a Petrobras somente poderia ceder a participação nos contratos de produção que obtivesse como vencedora de licitação. No caso em questão, porém, os barris seriam recebidos sem licitação.


O entendimento mais comum é de que o PL do Aleluia não resolve este ponto, uma vez que, conforme o texto, pretende apenas modificar a lei da cessão onerosa, sem mencionar a lei de partilha. A ideia é permitir à petroleira negociar e transferir a titularidade do contrato da cessão, desde que preserve um porcentual mínimo de 30% do consórcio formado.


Paulo Valois, sócio do escritório Schmidt Valois, explica que há duas interpretações sobre esse ponto: “Uma é de que os barris que excedem os 5 bilhões não poderiam ser cedidos pela Petrobras, pois seriam intransferíveis, e a outra é de que sim, poderiam”, relata.


Na sua opinião, o recebimento pela Petrobras em barris de petróleo é possível, diante do regime de partilha, e não necessita de mudanças na lei. Mas, para que a empresa venda a área para um terceiro, seria necessário um projeto de lei.


Alexandre Calmon, sócio do Tauil & Chequer Advogados, diz que o PL engloba somente os 5 bilhões de barris do contrato da cessão onerosa. “O excedente é outra coisa”, explica.


Bucheb, que foi gerente de parcerias do pré-sal e gerente geral da Universidade Petrobras, questiona até mesmo o projeto do Aleluia, que diz respeito apenas aos 5 bilhões de barris: “A Petrobras recebeu esses direitos sem licitação. Agora, poderá repassar parte deles a terceiros (em caso de aprovação do projeto). Se é correto permitir o ingresso de terceiros na cessão onerosa, por que isso não foi feito desde o princípio? Qual fato novo justifica essa mudança de rumo?”


Problemas operacionais 
Alexandre Calmon lembra que a venda do excedente da cessão onerosa via regime de partilha é a “tábua de salvação do governo”. “Mas aí há uma falha na legislação, porque nunca se tratou a cessão onerosa com o nível de detalhe jurídico necessário. A discussão vai ter de andar nos próximos meses.” Ele explica que o projeto do Aleluia não está relacionado com esse debate.


Para Calmon, há um problema maior, que é a necessidade de o acerto entre as duas partes considerar o custo exploratório que a Petrobras terá, caso receba em barris. “Vamos supor que a empresa receba 2 bilhões de barris. Isso tem um custo.”


Ele acredita que esse é um dos motivos para a lentidão no acerto e lembra que, se o acordo demorar a acontecer, o governo pode não conseguir viabilizar o leilão do excedente neste ano, em razão dos muitos procedimentos burocráticos envolvidos. Contudo, Calmon ressalta que não há nenhuma impedimento legal de fazer o leilão faltando pouco para as eleições. “A legislação eleitoral não afeta esse tipo de leilão.”


Bucheb levanta ainda outra dúvida de âmbito operacional: como um terceiro iria explorar o excedente, considerando que se trata do mesmo bloco sob exploração da Petrobras? “A empresa que tem direito sobre o bloco deveria ter sobre o bloco inteiro. No caso do excedente, vai ficar uma coisa complicada, porque a Petrobras tem direito de produzir até 5 bilhões de barris na mesma área. É uma confusão de ordem operacional”, diz, acrescentando que uma companhia pode acabar interferindo na produção da outra. A situação seria ainda mais complicada se a estatal já tivesse investido na exploração das áreas do excedente.


Os especialistas lembram ainda da possibilidade de o pagamento para a Petrobras, partindo do pressuposto de que é credora, ocorrer via abatimento de dívidas tributárias quaisquer, considerando os vultosos passivos da estatal, ou títulos públicos.


A solução envolvendo dívidas tributárias quaisquer teria menos complicações no Orçamento. Como as contas do governo são contabilizadas pelo regime de caixa – ou seja, receitas e despesas feitas efetivamente pela União durante o exercício -, essa solução não comprometeria, em tese, a meta que limita a R$ 159 bilhões o buraco nas finanças públicas neste ano.


Regime de partilha versus concessão 
Para Calmon, o regime de concessão é muito mais eficiente na comparação com o de partilha. “Para a União auditar custos no regime de partilha é necessária toda uma estrutura que hoje está dentro da PPSA, que é mais uma estatal. No regime de concessão, atinge-se o mesmo objetivo, sem a necessidade dessa estrutura e o bônus de assinatura é mais elevado.”


Conforme noticiado neste ano, o governo acredita que o bônus de outorga será cobrado no leilão de áreas excedentes da cessão onerosa poderá chegar a R$ 100 bilhões. Calmon diz que essa meta é possível de ser atingida, considerando o patamar atual do preço do petróleo. O contrato futuro do Brent, na Intercontinental Exchange (ICE), em Londres, com vencimento em agosto encerrou a última sessão a US$ 73,44.

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